HISTÓRIAS
DE UM CINÉFILO
Paulo Martins
Deu-se a notícia no principal jornal da cidade: “Até que enfim,
sessão pipoca para os amantes da sétima arte.”. A expectativa era geral. O
momento tão esperado para os cinéfilos da mais nova capital já tinha data
marcada. Tudo estava pronto para a inauguração do cinema, no moderníssimo
shopping da cidade. A data não poderia ser mais sugestiva, meados de junho, o
mês dos namorados. Mais alegre que todos estava Durval, antigo morador da
cidade. Depois de anos, a população voltaria a ter uma sala de cinema, digna de
uma capital planejada.
Seria a primeira vez que Durval entraria em uma sala de cinema. Anos
atrás, por pouco ele teria visto Sharon Stone na telona. Mas quando tudo estava
arrumado, ingressos, dinheiro, compania, saiu à notícia: “O Cineazul fecha as
portas para não mais abrir.”. Os ingressos ele rasgou, de raiva. O dinheiro do
refrigerante e da pipoca ele gastou com cachaça, no bar do Sarapatel. Quanto à
compania, depois do “quaaaasee!” encontro, desistiu dele e bandeou para o lado
do Carlão da mecânica. Daquele tempo para cá, Durval andou capengado de um lado
para o outro, meio que a esmo.
“Eu não vou conhecer todos os lugares... Não posso viajar no
tempo... Eu vou morrer algum dia. O cinema é só um sonho.”. Agora, depois que
leu no jornal a frase acima, proferida no filme Cinema Paradiso, a fantasia de
Durval renasceu das cinzas, como uma Fênix. Já se imaginava dentro de uma das
salas de cinema, sentado, segurando a pipoca e o refrigerante. Ao lado, uma
bela mulher.
A estreia estava confirmada. E a presença de Durval também. Vendeu a
bicicleta e juntou o dinheiro para as despesas. Só havia um problema, a entrada
que comprou só valia para casais, uma promoção para o mês dos namorados. Então
pensou nas pretendentes. Quem sabe a Maria. Mas era desprovida de belezas.
Talvez a Marialva do Zeca. Era bonita e lhe dava bola. Mas era casada. Se bem
que ficariam no escuro, e ninguém iria saber de nada. Mas o Zeca parecia ser
perigoso de mais. Então pensou na Rosicréia, vizinha do tal Carlão. Era
bonitona. Não era uma moça de “família”, no seu dizer, mas o importante era
aceitar o convite. E foi o que aconteceu. Porém, ela exigiu que Durval lhe
comprasse um vestido novo, um brinco de capim dourado e que lhe adiantasse uns
cem reais. Já que, segundo ela, mulher moderna não aceita que homem banque as
despesas. Durval achou o máximo.
Chegou o dia. Uma hora antes do momento combinado, Durval já estava
lá na entrada, extasiado com a belíssima iluminação do cinema. Tremia em pleno
calor. Roía as unhas. Estralavam os dedos. Estava ansioso, nervosíssimo.
As horas passavam e nada de Rosicréia. A fila andava, a sessão
começou, e ela nada de chegar. Não dava mais tempo. Mais uma vez, não foi
daquela vez. O jeito era rasgar o ingresso de novo. Gastar mais uma vez o resto
do dinheiro, no bar do Sarapatel, e dessa vez juntar uma grana para dar um fim
no Carlão.
Paulo Martins é professor e escritor,
pós-graduado em linguística aplicada na educação.
E-mail: paulo.linguagens@hotmail.com