PAPO FURADO
Luis
Fernando Veríssimo
_ Iminência
_ Você quer dizer “eminência”
_ O quê?
_ Você disse iminência e
o certo é “eminência”
_ Perdão. Sou um servo,
um réptil, um nada. uma sujeira no seu sapato de cetim. Mas sei o que eu digo.
E eu quis dizer “iminência”.
_ Mas está errado! O
tratamento correto é “eminência”.
_ Não duvido da sua eminência,
monsenhor, mas o senhor também é iminente. Ou uma eminência iminente.
_ Em que sentido?
_ No sentido
filosófico.
_ você tem dois minutos
para explicar, antes que eu o excomungue.
_ Somos todos
iminentes, monsenhor. Vivemos num eterno devir, sempre as vésperas de alguma
coisa, nem que seja só o próximo
segundo. Na iminência do que virá, seja
o almoço ou a morte. A beira do nosso futuro como um precipício. A iminência é
o nosso estado natural. Pois o que somos nós, todos nós, se não expectativas?
_ Então você se acha
igual a mim?
_ Nesse sentido sim,
somos coiminentes.
_ Com uma diferença;
Estou na iminência de mandar açoitá-lo por insolência, e você está na iminência
de apanhar.
_ O senhor tem o
direito hierárquico, Faz parte da sua eminência.
_ Admita que você queria dizer “eminência” e disse “iminência”.
E recorreu a filosofia para esconder o erro.
_ Só a iminência do açoite
me leva a admitir que errei. Se bem que...
_ Se bem quê?
_ Perdão. Sou um verme,
uma meleca, menos que nada. Um cisco no seu santo olho, monsenhor. Mas é tão pequena
a diferença em um “e” e um “i” que o protesto de vossa iminência soa como prepotência. Eminência, iminência,
que diferença faz uma letra?
_ Ah, é? Uma letra pode
mudar tudo. Um emigrante não é um imigrante.
_ É um imigrante quando
sai de um país e um imigrante quando chega em outro, mas é a mesma pessoa.
_ Pois então? Muitas
vezes a distancia em um ‘e’ e um ‘i’ pode ser um oceano. E garanto que você
terá muitos problemas se não souber diferenciar um ônus de um ânus.
_ Isso são conjunturas.
_ Você quer dizer ‘conjeturas’.
_ Não, conjunturas.
_ Não é ‘conjeturas’ no sentido de especulações, suposições,
hipóteses?
_ Nãos ‘Conjunturas’ no
sentido de situações, momentos históricos.
_ Você queria dizer ‘conjeturas’ mas se enganou. Admita.
_ Eu disse exatamente o
que queria dizer, monsenhor.
_ Você errou.
_ Não errei, iminência.
_ Eminência, eminência.”
(VERISSIMO, Luis Fernando. O Estado de S. Paulo, 19, julho, 2008. caderno D. p.16)
extraído do livro de filosofia.
Luis Fernando Verissimo (Porto
Alegre, 26 de setembro de 1936) é um escritor brasileiro. Mais conhecido por
suas crônicas e textos de humor, mais precisamente de sátiras de costumes,
publicados diariamente em vários jornais brasileiros, Verissimo é também cartunista
e tradutor, além de roteirista de televisão, autor de teatro e romancista
bissexto. Já foi publicitário e copy desk de jornal. É ainda músico, tendo
tocado saxofone em alguns conjuntos. Com mais de 60 títulos publicados, é um
dos mais populares escritores brasileiros contemporâneos. É filho do também
escritor Érico Verissimo.1
Meu cronista predileto =D
ResponderExcluirBom que chega. Ainda assim, uma letra é muito e muda tudo. Se uma vírgula já altera o sentido, mais ainda uma letra. E viva Veríssimo!
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