segunda-feira, 21 de abril de 2014

PAPO FURADO com Luis Fernando Veríssimo



PAPO FURADO
Luis Fernando Veríssimo
_ Iminência
_ Você quer dizer “eminência”
_ O quê?
_ Você disse iminência e o certo  é “eminência”
_ Perdão. Sou um servo, um réptil, um nada. uma sujeira no seu sapato de cetim. Mas sei o que eu digo. E eu quis dizer  “iminência”.
_ Mas está errado! O tratamento correto é “eminência”.
_ Não duvido da sua eminência, monsenhor, mas o senhor também é iminente. Ou uma eminência iminente.
_ Em que sentido?
_ No sentido filosófico.
_ você tem dois minutos para explicar, antes que eu o excomungue.
_ Somos todos iminentes, monsenhor. Vivemos num eterno devir, sempre as vésperas de alguma coisa, nem que  seja só o próximo segundo. Na iminência  do que virá, seja o almoço ou a morte. A beira do nosso futuro como um precipício. A iminência é o nosso estado natural. Pois o que somos nós, todos nós, se não expectativas?
_ Então você se acha igual a mim?
_ Nesse sentido sim, somos coiminentes.
_ Com uma diferença; Estou na iminência de mandar açoitá-lo por insolência, e você está na iminência de apanhar.
_ O senhor tem o direito hierárquico, Faz parte da sua eminência.
_ Admita  que você queria dizer “eminência” e disse “iminência”. E recorreu a filosofia para esconder o erro.
_ Só a iminência do açoite me leva a admitir que errei. Se bem que...
_ Se bem quê?
_ Perdão. Sou um verme, uma meleca, menos que nada. Um cisco no seu santo olho, monsenhor. Mas é tão pequena a diferença em um “e” e um “i” que o protesto de vossa iminência  soa como prepotência. Eminência, iminência, que diferença faz uma letra?
_ Ah, é? Uma letra pode mudar tudo. Um emigrante não é um imigrante.
_ É um imigrante quando sai de um país e um imigrante quando chega em outro, mas é a mesma pessoa.
_ Pois então? Muitas vezes a distancia em um ‘e’ e um ‘i’ pode ser um oceano. E garanto que você terá muitos problemas se não souber diferenciar um ônus de um ânus.
_ Isso são conjunturas.
_ Você quer dizer ‘conjeturas’.
_ Não, conjunturas.
_ Não é ‘conjeturas’  no sentido de especulações, suposições, hipóteses?
_ Nãos ‘Conjunturas’ no sentido de situações, momentos históricos.
_ Você queria dizer ‘conjeturas’  mas se enganou. Admita.
_ Eu disse exatamente o que queria dizer, monsenhor.
_ Você errou.
_ Não errei, iminência.
_ Eminência, eminência.”    

(VERISSIMO, Luis Fernando. O Estado de S. Paulo, 19, julho, 2008. caderno D. p.16)
extraído do livro de filosofia.    

Luis Fernando Verissimo (Porto Alegre, 26 de setembro de 1936) é um escritor brasileiro. Mais conhecido por suas crônicas e textos de humor, mais precisamente de sátiras de costumes, publicados diariamente em vários jornais brasileiros, Verissimo é também cartunista e tradutor, além de roteirista de televisão, autor de teatro e romancista bissexto. Já foi publicitário e copy desk de jornal. É ainda músico, tendo tocado saxofone em alguns conjuntos. Com mais de 60 títulos publicados, é um dos mais populares escritores brasileiros contemporâneos. É filho do também escritor Érico Verissimo.1



  

2 comentários:

  1. Bom que chega. Ainda assim, uma letra é muito e muda tudo. Se uma vírgula já altera o sentido, mais ainda uma letra. E viva Veríssimo!

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