quinta-feira, 17 de abril de 2014

JESUS, CAUSA MORTIS


“JESUS, CAUSA MORTIS”
Mara Narciso

            Ver o noticiário na hora das refeições é contrasenso, devido aos engulhos sentidos quando vemos tamanha iniquidade. O ser humano especializou-se em humilhar, torturar, causar a dor a seu semelhante, impingindo-lhe todos os sofrimentos antes do tiro de misericórdia. Quando achamos ter visto todas as modalidades, novas práticas aparecem, especialmente contra crianças e velhos. A norma é, para que apenas roubar se posso estuprar e torturar até a morte?  Por outro lado, há quem diga que nunca foi tão seguro viver quanto agora. A civilização atingiu seu ápice de segurança, pois noutros tempos o barbarismo selvagem era a lei.
            Manoel Hygino dos Santos diz, ao final do seu magnífico livro “Jesus, causa mortis” que nada acrescentou a história. Debruçado sobre documentos, reviveu os últimos momentos de Cristo sobre a Terra. Embora cristã e agnóstica confessa (incoerência?), fiquei apaixonada pelo livro e por Jesus. Os evangelhos sobre Cristo foram escritos, segundo o autor, mais de 50 anos após sua morte, e cada um traz uma versão diferente dos seus momentos finais. Menciona que Ele esteve por seis anos na Índia, fala da sua volta a Israel aos 29 anos quando começou a pregação, e tenta desvendar os motivos de os judeus, sob o domínio dos romanos, terem levado o Messias a julgamento, condenação e morte.
            Em cima de documentação e argumentos críveis, Manoel Hygino disseca a História, buscando não misturar crença e realidade, em busca do homem que mudou o calendário ocidental. São despretensiosas 63 páginas de documentos, boa argumentação e fuga de paixões. A fé do autor raramente é deixada transparecer. Analisa os costumes da época, inclusive a frequência comum do nome Jesus. Procura desvendar os motivos de Ele ter sido levado a julgamento, e faz as citações do lavramento da sentença. Na época, revolucionários e salteadores assassinos eram condenados à morte por crucificação.
            De forma livre e sem ater-me às informações exatas do autor, farei algumas considerações. Evangelhos e documentos apócrifos ou não oficiais e não aceitos pela Igreja são citados, tentando desvendar o emaranhado de porquês. O mais crível é que o motivo da prisão seria a possibilidade de Jesus abalar o governo oficial ao se declarar Rei, embora dissesse que o seu reino não fosse dessa terra. A sua entrada em Jerusalém, montado num jumento sob aplausos, desencadeou o processo de julgamento. Tido como ameaça, foi declarado culpado pela multidão. Pôncio Pilatos lavou as mãos, após tentar trocar Cristo por Barrabás.
            Condenado, Jesus é flagelado com chicotadas nas costas, cujas pontas tinham pedras e ossos. A dor desencadeada leva a perda de fezes e urina. Depois, por se dizer rei, foi-lhe posta uma coroa de espinhos, que Lhe perfuraram a testa e couro cabeludo. Devido à rica vascularização local, além da perfuração de nervos, houve grandes sangramento e dor.
            Diferente do que é representado artisticamente, Cristo não levou a cruz, pois não é possível carregar 90 kg por oito quilômetros, distancia média entre o local do julgamento e o da crucificação, ainda mais ferido. Levou a parte de cima, o patíbulo, que pesa 50 kg. Nessa caminhada caiu e foi ajudado. A parte vertical da cruz já estava no local. O corpo era geralmente amarrado pelos punhos e pés, e deixado lá por dias até o condenado morrer. A posição não permite respirar. No caso, Jesus foi pregado na cruz por cravos que perfuraram seus pulsos, lesando o nervo mediano, o que causa dor lancinante. Os pés foram pregados um sobre o outro, com um cravo mais longo. Não havia suporte sob eles. Não foi pregado pelas palmas, como costuma ser representado, pois o peso do corpo, de cerca de 70 kg, rasgaria as extremidades e Ele cairia.  A nudez total não era aceita, mas suas vestes foram retiradas. Para se certificar da morte, um soldado perfurou o seu tórax da direita para a esquerda, vazando seu coração na altura do átrio direito, de onde saiu água e sangue. Havendo circulação, Cristo ainda estaria vivo. Para abreviar o suplício, as pernas dos condenados eram quebradas a pauladas. Tal não acontedeu aqui.
            Segundo as Sagradas Escrituras, no momento da morte, ocorrida na época da Páscoa, houve terremoto e escuridão. O corpo era abandonado para ser comido por abutres e cães. Amigos de Jesus conseguiram autorização - outro ponto polêmico -, para recolherem o corpo e o levarem a tumba. No terceiro dia, apenas os panos com os quais fora envolto estavam lá.
            A análise do Santo Sudário, linho com o qual o corpo de Jesus teria sido embrulhado após sua morte, ao ser datado pelo carbono 14 mostrou tratar-se de tecido feito em torno de 1300, ou seja, fora da época de Cristo. Ainda assim, a Igreja o considera relíquia, pois traz impresso em seus fios em três dimensões a imagem de um homem que foi crucificado. A ciência ainda não deu sua palavra final, e a busca da face de Cristo e das suas características físicas continua.
            A morte em si pode ter sido por asfixia ou hipovolemia, descartando-se a possibilidade de infarto. “Jesus, causa mortis”, de Manoel Hygino, autor sagaz e criterioso, desperta para o tema. Se não há corpo não há crime. De acordo com a Fé, Cristo subiu aos céus de corpo e alma, deixando o amor como ensinamento. Então, medindo a dor que os torturadores impingiram a Ele, a História está indo ou voltando? A crueldade faz a gente chorar.

9 de fevereiro de 2014

Dra Mara Narciso
Médica, jornalista e escritora.

2 comentários:

  1. O mundo está cheios de 'bárbaros', que roubam, estupram, matam... Nós evoluímos tecnologicamente, mas não socialmente. :/

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  2. Obrigada pela partilha do meu texto, Adailton. Sinto-me agradecida e honrada.

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